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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A SOJA LEVA A FERROVIA PARA O OESTE


FOTO:Mario Osava/IPS Uma fila interminável de caminhões se forma em Jaciara, a 140 quilômetros de Cuiabá, por causa de reparos na estrada BR-364.

Cuiabá, Brasil, 4/8/2011 – Além das altas taxas de juros e da eletricidade cara para o consumidor, a economia brasileira acumula outros problemas que, no entanto, não impedem seu crescimento. Um deles é o caro uso de rodovias para retirar a produção agrícola, que será aliviado com a ampliação da rede ferroviária. Cruzar os 215 quilômetros de estrada entre Cuiabá e Rondonópolis, no Estado do Mato Grosso, é um exercício de paciência. Numerosos caminhões ocupam a pista única em cada sentido e é quase uma ação suicida ultrapassá-los nos longos trechos montanhosos ou de pavimentação deteriorada.
Pesquisadores locais garantem que nesse trecho da BR-364, principal ligação com os grandes mercados nacionais e estrangeiros, circulam diariamente cerca de oito mil caminhões, que devem percorrer cerca de dois mil quilômetros para levar a soja matogrossense para os portos do Oceano Atlântico. A solução para aliviar o problema será a ferrovia da Ferronorte, uma rede em construção projetada para conectar as novas fronteiras agrícolas do oeste e norte do Brasil com o centro-sul desenvolvido. Essas obras partiram da fronteira noroeste do Estado de São Paulo, a 1.056 quilômetros de Cuiabá, capital do Mato Grosso, e já foram inauguradas estações em três cidades matogrossenses.
A via férrea chegará a Rondonópolis em 2012 e dois anos depois a Cuiabá, segundo Francisco Vuolo, secretário extraordinário de Logística Intermodal de Transportes, cargo criado este ano pelo governo do Mato Grosso. A Ferronorte, uma concessão iniciada em 1989 por 90 anos, prorrogável por outros 90, foi assumida há cinco anos pela América Latina Logística (ALL), que desistiu de construir a ferrovia até Cuiabá, limitando-se a levá-la até Rondonópolis.
A empresa não quis “correr o risco” de se endividar em mais de R$ 800 milhões em um negócio de prazo tão longo, disse Vuolo, lamentando que a concessão deixa o projeto e uma grande parte do país à mercê do “interesse privado por 180 anos”. Por outro lado, manifestações populares pressionaram pela extensão até Cuiabá. Diante disso, a América Latina renunciou à concessão desse trecho e o governo estadual se encarregou de sua construção, por meio de um acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres e a empresa estatal Valec, especializada nesse tipo de obras.
A ferrovia inteira leva o nome de senador Vicente Vuolo, pai do secretário de Logística, falecido em 2001, que como parlamentar propôs e defendeu a ligação ferroviária de Cuiabá com São Paulo, em um projeto aprovado como lei federal em 1976. Entretanto, para o trecho Rondonópolis-Cuiabá não haverá dificuldade para atrair investidores. Já há capitais “chineses, alemães e de outros países interessados” em associarem-se, informou o secretário Vuolo. É que se trata de “construir 200 quilômetros e ganhar mil quilômetros”, ao integrar um projeto mais amplo que por outras conexões permitirá o acesso aos portos do Atlântico, ressaltou.
Essa ferrovia não servirá apenas para transportar a produção local, pois também “haverá carga de retorno” para o grande mercado de Cuiabá, de 550 mil habitantes. Chamado de “projeto utópico” quando foi proposto pelo senador Vicente Vuolo, a ferrovia agora responde a uma necessidade evidente de transporte em grande escala. Mato Grosso lidera, há uma década, a produção nacional de soja, principal item das exportações brasileiras, produzindo mais de 20 milhões de toneladas por ano, além de também exportar algodão e milho, aproveitando as mesmas terras para uma segunda semeadura entre fevereiro e julho.
Entretanto, esse desenvolvimento foi dificultado pela fragilidade logística, admitiu Seneri Paludo, diretor-executivo da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Femato). Os preços locais de grãos são “os mais baixos do mundo”, mas ficam caros na viagem até onde estão os compradores, e assim perdem as duas pontas do mercado, lamentou Paludo. O nordeste brasileiro paga muito caro pelo milho que compra no sul, porque o do Mato Grosso, encarecido pelo transporte, “não é competitivo nessa região”, explicou.
Assim, a ferrovia poderá reduzir em 30% o custo de transporte da produção agrícola matogrossense, em comparação com o transporte atual por rodovia, calcula o Movimento Pró-Logística, impulsionado por associações empresariais locais desde 2009 para reclamar caminhos mais eficientes. Um estudo feito por Vivian Correa e Pedro Ramos, economistas da Universidade de Campinas (Unicamp) estima que a soja do centro-oeste brasileiro perde competitividade ao gastar 25% de seu faturamento em transporte, enquanto a dos Estados Unidos o faz com “menos de 10%”.
Uma maior capacidade logística se torna indispensável também considerando a expansão agrícola. Mato Grosso pode duplicar sua área cultivada, já que dispõe de 9,2 milhões de hectares de terras cobertas por pastagens aptas para cultivar grãos. A “tendência natural” é substituir a pecuária extensiva por plantações que são mais rentáveis, disse Paludo. Por isso, o movimento empresarial cobra, além da ferrovia até Cuiabá, outra, chamada de Integração do Centro-Oeste (Fico), que cruzaria todo o Mato Grosso passando pelo meio-norte, a região onde mais se produz soja no país, além de melhorar a pavimentação de rodovias, construir cinco estradas e implantar duas hidrovias.
Francisco Vuolo, defensor da ferrovia como seu pai, prefere a linha Ferronorte, em seu projeto original, que uniria Cuiabá não apenas ao Estado de São Paulo, mas também a Porto Velho, capital de Rondônia, e a Santarém, um dos grandes portos fluviais no coração da Amazônia. Entretanto, agora parece improvável a extensão dos trilhos a tantos lugares. Uma ferrovia exige um grande investimento inicial e somente se justifica para transportar a grande distância cargas volumosas, como minerais e graõs. Além disso, Santarém já recebe parte da soja matogrossense por uma estrada cuja pavimentação se espera que esteja concluída no próximo ano, e poderá ampliá-lo por hidrovias.
Santarém é uma cidade portuária no Rio Tapajós, perto de sua desembocadura no Amazonas. A construção de cinco centrais hidrelétricas nesse rio, além de outras em seus afluentes, Juruena e Teles Pires, previstas para esta década, permitem viabilizar uma hidrovia que serviria tanto o norte como o oeste do Mato Grosso. A hidrovia Teles Pires-Tapajós poderia reduzir em 73,8% o custo atual de transportar por estradas a soja do meio-norte matogrossense, segundo estudo dos professores da Unicamp. Envolverde/IPS
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