Possuidor de indústrias,
empresas comerciais, representações multinacionais e de vários hectares de
terra, um homem, angustiado e inquieto, resolveu afastar-se das obrigações e
preocupações de seus negócios.
Como se fugisse da sua própria sombra e desejasse ficar acima
dos problemas administrativos e burocráticos, resolveu escalar uma elevação,
onde, no cume, havia uma singela capela.
Mesmo na tranquilidade do isolamento, aquele homem continuou
desassossegado. Não sabia como encontrar a paz que tanto desejava.
Apesar do patrimônio e do
dinheiro, algo faltava para a sua verdadeira felicidade. Com possante binóculo,
focalizava suas indústrias, estabelecimentos comerciais e o vasto território
rural que lhe pertencia. Sempre preocupado em saber se tudo estava funcionando,
se alguém estava negligenciando no trabalho, diminuindo a produção e o consequente
rendimento.
Cada interrogação que fazia a si mesmo gerava, em seu ambicioso
espírito, dúvidas, temor e apreensões. Para quem procurou fugir do massacre das
preocupações, aquele comportamento o deixava cada vez mais angustiado.
Trêmulo, nervoso, oscilante, como se o mundo, em ruínas,
desmoronasse sobre seus castelos, o homem desiludido desistiu de pastorar e
vistoriar sua riqueza. Experimentando um vazio interior, ergueu seu olhar, e,
como por encanto, a imagem do cruzeiro, postado sobre a pedra, surgiu à sua
frente. Estarrecido, o infeliz ricaço deixou que aquela cruz se aproximasse,
cada vez mais, de sua amargura, de sua inquietude e de sua tristeza.
Quieto, sentiu uma brisa confortante apagar as chamas que
queimavam a sua alma. O céu desceu a seus pés. O espírito se ergueu, enquanto o
corpo, livre dos grilhões da cobiça gravitava num passeio tranquilo, como se
fosse seguro pelas mãos dos anjos, que passeavam sorridentes no azul celestial.
Emocionado, confortado e fortalecido, o homem, até então infeliz,
era a imagem do contentamento, da esperança e da paz. Com os olhos fitos na
cruz salvadora, deixou que o coração revelasse o êxtase daquele encontro,
balbuciando: “Senhor, era a Sua ausência que me fazia mergulhar na escuridão da
incerteza e da insegurança. Distanciado de Sua verdade, inebriado pela mentira
da materialidade, do orgulho e da ambição, há muito sofria, procurando,
inutilmente, paz para a minha angústia, conforto para os dissabores e segurança
para as minhas fraquezas”.
Com as lágrimas lavando a poeira poluidora da alma, fechou os
olhos, como quem não mais quisesse ver a cor negra de seus pensamentos, da sede
insaciável de possuir cada vez mais.
Na bendita reflexão, o homem lembrou-se da vila humilde que, há bem
pouco, avistara, e não pensou residir, nas modestas casas, centenas de crianças
mal nutridas, sem escolas, sem roupas e sem pão. Crianças que não possuíam
sequer um brinquedo para enganar a fome, porque Papai Noel nunca visitou a sua
humilde casa de taipa para deixar um presente no Natal
Em profunda reflexão, imaginou como seria a casa do seu
operário. Adentrou e sentou-se à mesa. Constatou que o pão que ali faltava,
fora esbanjado em sua mansão, em banquetes festivos dos badalados
acontecimentos sociais. Os lençóis que faltavam para o abrigar as crianças, das
chuvas e do frio, estavam, sem uso, guardados nas gavetas de seu luxuoso guarda
roupa.
Apesar da miséria e do sofrimento, sentiu, naquele casebre, o
calor do aconchego e o milagre cotidiano da multiplicação dos pães. Lembrou-se
da frieza e indiferença com que recebia os pobres em sua casa, quando batiam à
porta mendigando ajuda e solidariedade.
Ajoelhando-se à imagem da cruz salvadora, teve consciência da
pequenez e da sua pobreza espiritual. Compreendeu que só se é verdadeiramente
rico, quando se tem o desprendimento de doar algo em benefício de uma causa
justa. Aos ricos, que lutam para possuir cada vez mais, não importa que os
pobres tenham cada vez menos. O sofrimento dos plebeus não sensibiliza os
nobres, porque a miséria do pobre não toca á sensibilidade da luxuosidade dos
ricos.
Reabrindo os olhos, aquele homem, com humildade e feliz com o
reencontro com a verdade de Cristo, pediu: “Senhor, põe em meus ombros está
cruz que conforta e nos faz renascer. Cruz que pode ferir o corpo, mas tem a
misteriosa força de sarar as chagas da alma, que me fizeram sofrer, por tanto
tempo. Esta cruz, Senhor, representa os braços que me acolheram e despertaram
para uma vida de ternura, compreensão e amor. Coloque-a Senhor, em meus ombros,
mas não a deixe sair da porta de meu coração, para que eu acolha fraternalmente
todos que necessitarem de abrigo, ajuda e paz. Permita Senhor que eu desça de
Seus braços e tenha força, coragem e fé para caminhar tranqüilo, conduzindo
esta cruz, até o topo do calvário da minha salvação”.
Obrigado,
Senhor, obrigado.