Tempos de guerra são duros, mesmo para os religiosos. Durante a Segunda Guerra Mundial, no entanto, o pastor luterano alemão Dietrich Bonhoeffer tinha uma liberdade invejável na Alemanha nazista onde o ato de ir e vir havia sido limitado drasticamente pelo ditador Adolf Hitler. Aos olhos alheios, seus constantes deslocamentos entre Berlim e Munique soavam quase como uma afronta diante das agruras vividas pela população. Bonhoeffer era assíduo em almoços e jantares e fazia também frequentes viagens à Suíça. Mantinha ares de alienado e tocava a vida como se o seu país e a Europa não estivessem matando e morrendo no front. O que essas pessoas nem sequer desconfiavam era que Bonhoeffer havia se tornado um homem só, aprisionado por um segredo que não podia dividir com ninguém e que revelava a verdadeira realidade de sua existência.
Sem nenhuma esperança de uma solução pacífica para as atrocidades cometidas pelo nazismo e temendo inclusive pela própria vida, o pastor resolveu agir: aderiu a um grupo de insurgentes dentro das Forças Armadas de Hitler e tornou-se um espião infiltrado na Abwehr, a agência de inteligência do regime. Essa e outras revelações estão na biografia “Bonhoeffer: Pastor, Mártir, Profeta, Espião”, do escritor americano Eric Metaxas, que recupera a trajetória do teólogo que ajudou a salvar milhares de vidas.
No plano especificamente estratégico, de acordo com a obra, a ação de Bonhoeffer ia além: como agente duplo, ele passava informações sigilosas aos britânicos com os quais negociaria planos de paz após a execução do projeto principal, o assassinato de Hitler. Metaxas relata que, apesar do ódio que sentia por Hitler, Boenhoffer hesitou em participar do grupo por ser religioso. ¬Falou mais alto o espírito democrático. Ele chegou a estar a salvo nos EUA, mas aceitou o convite feito por amigos infiltrados nas Forças Armadas e voltou para a Alemanha. O grupo ao qual fazia parte era coordenado pelo próprio comandante da Abwehr, o almirante Wilhelm Canaris, que, como ele, foi condenado e executado no dia 9 abril de 1945.
A punição foi a morte por enforcamento. O papel de Bonhoeffer como espião era passar mensagens sigilosas ao bispo britânico George Bell, que as direcionava ao primeiro-ministro da Inglaterra, Winston Churchill.
Boenhoffer participou ainda do planejamento de diversas ações para salvar judeus, além, é claro, das tentativas de assassinar Hitler. Quando se deu a Operação Valquíria (1944), o mais famoso dos golpes para eliminar o Fuhrer, Bonhoeffer já estava preso em razão de suspeitas da Gestapo. E foi justamente porque esse plano falhou que os nazistas descobriram sua ação de agente duplo, um gesto arriscado que já foi tema de diversos documentários e aparece agora minuciosamente descrito nessa biografia.
COLUNA MEDITAÇÃO
NATANAEL CAMURÇA
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