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terça-feira, 16 de junho de 2009

RECORDE DE ACUMULO D'ÁGUA GARANTE ABASTECIMENTO

O precioso liquido dará para três anos

Barragens cheias a idéia é represar a água durante a chuva e depois distribuí-la no resto do ano. As chuvas da última quadra invernosa trouxeram problemas e um recorde de captação. Ausência de políticas públicas prejudica agricultor.

Ponto Turistico de Quixeramobim - Img. Crisanto Teixeira


Ao mesmo tempo em que vem causando estragos e deixando um rastro de destruição por vários municípios cearenses, a atual quadra invernosa representa garantia de regularidade no abastecimento de água no Estado, no mínimo, pelos próximos três anos, caso sejam de estiagem. Quem afirma é o presidente da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), Francisco José Coelho Teixeira.Ele diz que 2009 ficará marcado na história da gestão hídrica do Ceará como o ano em que o Estado bateu recorde de armazenamento de água. Os 131 reservatórios públicos, segundo dados da Cogerh, ultrapassaram os 95% de sua capacidade total, sendo que 116 deles sangraram este ano.Teixeira ressalta ainda que os problemas causados pelas precipitações classificadas por ele de “atípicas”, como as 9 mortes e os milhares de desabrigados pelas enchentes, estariam sendo maiores sem a presença dos açudes. “Estas construções atuam de duas formas: armazenando água para os períodos de seca e também reduzindo o impacto das chuvas nas comunidades”, explica.Eles citam como exemplo os estados do Maranhão e Piauí, onde a rede de barragens é incipiente no sentido de evitar tragédias relacionadas ao excesso de chuvas. Ao contrário, sofrendo por conta da falta de chuvas, representantes de municípios do Sul do País já teriam procurado o Ceará para inteirar-se sobre o modelo de açudagem adotado no Estado.Para Teixeira, os fatos vêm provar que o sistema de açudagem é eficiente, pelo menos no contexto cearense. Ao mesmo tempo em que os níveis de evaporação ficam em torno dos 2.100 milímetros e média de chuvas, na casa dos 800 milímetros por ano, o Ceará não tem água subterrânea em abundância, assim como o é em 80% do semi-árido. “Neste cenário, a açudagem aparece como única opção possível para grandes usos, já que técnicas como cisternas são capazes de atender apenas a grupos reduzidos de pessoas”, acrescenta. “Além disso, a água superficial se renova mais rápido que a subterrânea”.O presidente da Cogerh, lembra, porém, que a grande quantidade de água armazenada não pode acender a luz verde para o consumo desenfreado. O uso racional da água, completa, é essencial para a durabilidade dos recursos. “Afinal, não sabemos quando teremos tanta chuva. Uma das últimas grandes secas durou cinco anos”, avisa Teixeira. De acordo com ele, a eficiência do uso no aspecto quantitativo tem evoluído bastante. A preocupação agora, destaca, passa a recair também sobre questões ligadas a preservação do meio ambiente.
Perenização
O sistema de açudagem no Ceará ajudou, ainda de acordo com Teixeira, para perenizar grande parte dos rios que cortam o Estado. “Com a quantidade de água captada neste início de ano será possível perenizar 2.500 quilômetros de rios no segundo semestre”, revelou. “E, mesmo sem chover, eles devem agüentar por mais dois anos assim”, destaca.A medida tem servido para estimular o aproveitamento do solo nas margens destes rios. Na região do Alto Jaguaribe, exemplifica Teixeira, municípios como Jucás, Cariús, Iguatu e Saboeiro já ensaiam a criação de pólos de fruticultura.
POLÍTICA DE GESTÃO DA ÁGUA
Pequeno produtor não tem acesso ao recursoCerca de 58% das águas públicas armazenadas em reservatórios construídos pelo Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), no Nordeste, estão localizadas no Ceará. No entanto, o volume de água não condiz com a ausência de políticas públicas capazes de democratizar este bem, fazendo com que a região esbarre num problema: a dificuldade de acesso à água pelo pequeno produtor, analisa José Wilson de Souza Gonçalves, secretário de Política Agrícola da Fetraece. Ele denuncia a situação do açude Castanhão, onde o acesso ao público é restrito, que conta inclusive com vigilância armada.Para autoridades ligadas ao setor de gestão da água, não se trata de vetar o acesso, mas proteger o patrimônio contra a ação de vândalos e garantir a qualidade da água. Sobre a questão, o coordenador do Pacto das Águas, Eudoro Santana, diz que “as grandes obras sempre serviram aos grandes”. Isso significa que a população deve pressionar. “O Canal da Integração não pode trazer água para a Região Metropolitana e deixar o povo sem nada no Sertão”, ressalta.No entanto, ele reconhece que o turismo, a indústria e a agricultura são necessários ao desenvolvimento. Considera necessário uma equidade, defendendo o fortalecimento da gestão que deve passar por uma discussão com a sociedade também. “Este canal não pode trazer água para o Pecém e deixar as populações sem água de beber. Isso é uma injustiça”.José Wilson Gonçalves denuncia a forma de condução dessas obras. O governo construiu três projetos para acomodar as famílias. Um deles, o Curupati, os colonos produzem mamão e goiaba, na perspectiva do agronegócio, é voltado para a exportação. A venda dos produtos segue a lógica do mercado, o excedente não é aproveitado pelos colonos.Embora exista uma lei Federal determinando que 30% da merenda escolar dos municípios seja comprada da agricultura familiar. ´Após a empresa fazer a escolha, o que sobra é enterrado´. O fato faz lembrar, outro período da história da economia brasileira, baseada em ciclos econômicos, quando o excedente era jogado fora, a exemplo do que aconteceu com o café, no século XIX.Ele reclama da inexistência de uma política adequada capaz de atender aos pequenos produtores. A falta de acesso à água reproduz uma outra: a de terra, problema que se arrasta no País desde sua origem. “O canal passa a cerca de cinco metros, mas as famílias não podem usar a água”. O fato prova que o açude não conseguiu resolver o problema.Outro questionamento é com relação ao projeto de integração de bacias, justificando a existência de guarda armada em todo o percurso do canal. “Uma torneira faria a diferença”. Nos açudes estaduais falta política de acesso à água, reclamando da proibição do plantio nas áreas de vazantes. “No semi-árido, nem sempre a grande obra é a solução”, completa.
INTEGRAÇÃO DE BACIAS
É preciso distribuir volume armazenadoA integração de bacias é mais importante para a garantia hídrica, sobretudo do semi-árido, do que para transferência de água. A análise é de Francisco Lopes Viana, superintendente de outorga e fiscalização da Agência Nacional de Águas (ANA). Ele chama a atenção para o alto índice de evaporação registrado no semi-árido e explica que o mecanismo vai garantir maior liberdade na liberação da água dos açudes evitando as cheias.A falta de integração das bacias faz com que a água seja represada o máximo possível nos açudes, como ocorreu este ano no Ceará. Com relação às cheias deste ano, Viana afirma que o Estado não foi omisso, explicando que há o acompanhamento dos açudes por parte do Estado, através da Companhia de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Cogerh) e do Dnocs.No caso do Castanhão, por exemplo, houve liberação de água em abril. Caso isso não tivesse acontecido, esclarece, a situação teria sido pior. Ele explica que tudo foi feito dentro dos limites e do contexto de normalidade.Para Francisco Viana, toda quadra chuvosa é diferente. Este ano, nos meses de janeiro, fevereiro e março, tivemos chuvas na parte do litoral, e menos, na nascente do Jaguaribe. Situação inversa foi verificada no mês de abril, quando choveu nas cabeceiras dos rios Salgado, Jaguaribe e Orós. “A demora na liberação das águas dos açudes foi devido ao trauma do nordestino com as secas, fato que vai melhorar com a integração de bacias”, projeta.A previsão é de que o Ceará termine o ano com os seus reservatórios praticamente cheios. Mesmo em outubro, considerado o pico da estação chuvosa, os reservatórios terão bastante água. Com relação aos açudes privados, somam mais de mil no Estado, possuem baixa capacidade de gestão. Francisco Viana explica que, no início das cheias, esses reservatórios retêm água, embora admita que possuem baixa capacidade de armazenamento. Descarta a possibilidade destes reservatórios interferirem de forma direta nas cheias.A integração de bacias vai possibilitar maior segurança no momento de tomar a decisão de baixar a cota dos açudes para esperar pelas cheias. Por isso, defende: “A integração de bacias é fundamental tanto para as cheias quanto para as secas”, diz, lembrando ser alta a variação do clima na região, fazendo com que a proporção de chuva varie de cem a três mil, compara.As variações climáticas que, no semi-árido, são consideráveis, estão ainda mais intensificadas com o aquecimento global. “As secas são mais severas e as cheias mais intensas”, adverte Francisco Viana, explicando que diante deste novo quadro climático que se delineia em todo o País, a gestão da água se torna fundamental, no sentido de otimizar o seu uso.“Não se trata apenas de armazenar água em reservatórios, é necessário fazer com que ela corra, seja distribuída para evitar acidentes”. O semi-árido exige um conjunto de mecanismos para solucionar o a insegurança hídrica. Inclui desde açudes, integração de bacias, construção de açudes, poços e cisternas. Não se pode negar que a situação do semi-árido nordestino, em especial do Ceará, mudou. “Hoje, tem mais infra-estrutura”.
FONTE: CRISANTO.JOR.BR

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