O homem, dizem, dominou o fogo há 500 mil anos. Juntamente com o raio solar,
a queima da lenha energizou a civilização até começar a era dos combustíveis
fósseis. Agora, com a crise ambiental se agravando, ressurge a madeira como
energia renovável. O passado no presente.
Na fascinante história da energia, desde quando moradia se abrigava nas
cavernas, a chama da madeira ocupou papel central na proteção humana. Inventada
a máquina a vapor, a fogueira do lenho impulsionava as caldeiras da
"maria-fumaça". Até ser substituída pelo óleo combustível. Coisa de 120
anos.
Fogão a lenha virou grife na
culinária metropolitana. Poucos sabem, porém, que cerca de 3 bilhões de pessoas
ainda utilizam a acha para a cocção alimentar, prática condenada pela
Organização Mundial da Saúde em razão da intoxicação causada pela fumaça nos
ambientes domésticos. Fogão a lenha no mundo mata, lentamente, 2 milhões de
pessoas por ano.
No Brasil, os arbustos retorcidos
da Caatinga nordestina encontram-se no limite de exploração. Percebe-se no
Semiárido o desenrolar da história primitiva, agravada pela pressão
populacional. O que antes significava uma boa condição de vida agora mostra um
perigo ecológico: surrupiar a madeira das florestas nativas agride a
biodiversidade e agrava o efeito estufa no planeta. Fazer o quê?
Plantar florestas. Ninguém melhor
que os japoneses para ensinar a lição do reflorestamento. Lá a silvicultura
começou a ser implantada a partir de 1700, proposta na era Tokunawa para
recompor as florestas quase dizimadas por completo. A China, tardiamente, segue
caminho semelhante. A África, ao contrário, desertifica-se a olhos
vistos.
Edmundo Navarro de Andrade,
visionário agrônomo, deve ter-se inspirado nos xoguns japoneses quando, em 1904,
trouxe mudas de eucaliptos australianos para o Brasil. Era seu intuito produzir
dormentes para assentar os trilhos da então Companhia Paulista de Estradas de
Ferro. Naquela época, frondosos e centenários ipês, perobas e jequitibás da Mata
Atlântica tombavam para auxiliar, impulsionado pelas ferrovias, o progresso do
País.
Mais tarde, em 1922, chegaram as
primeiras mudas de pinheiros norte-americanos, introduzidos pela Companhia
Melhoramentos. Neste caso a extração da celulose se vislumbrava. Seja para a
finalidade do uso madeireiro, seja destinadas à fabricação de papel, as
florestas plantadas demoraram a se expandir no Brasil. Somente após os anos
1970, estimulados por generosos incentivos fiscais, os reflorestamentos se
avolumaram.
Em Minas Gerais, especialmente,
as florestas de eucalipto motivaram-se também para abastecer os fornos da
siderurgia do aço. Limpo, ecologicamente correto, tal carvão vegetal se
distingue de seu parente ancestral, o carvão sujo oriundo das matas nativas.
Onde reside a diferença?
Na energia renovável. Toda a
matéria vegetal - folhas, galhos, troncos - se gera por meio da fotossíntese.
Nesse processo, havendo água e radiação solar, as plantas "respiram" gás
carbônico (CO2) da atmosfera, liberando oxigênio. O carbono assim absorvido se
transforma, e se armazena, na biomassa.
A cada ciclo, as árvores crescem
absorvendo gás carbônico e, se sofrerem combustão, devolvem para a atmosfera o
carbono acumulado na madeira. Por essa razão, considera-se zerado o balanço de
carbono oriundo de florestas plantadas.
Diferente conta se faz quando
ocorre desmatamento das florestas nativas. Nesse caso as emissões de carbono das
queimadas se contabilizam no efeito estufa do planeta. Idêntico procedimento se
verifica na queima de petróleo, pois o negro combustível nada mais é do que
acúmulo de matéria orgânica decomposta, ocorrido há milhões de
anos.
Recentemente, visto o drama das
mudanças climáticas, surgiram as florestas energéticas. O processamento da
madeira com alta tecnologia gera um novo produto no mercado, conhecido como
pellet - pequenos aglomerados secos que duplicam o poder calorífico da lenha
comum. O fogo antigo moderniza-se e espanta o seu passado
antiecológico.
Quem lidera, por aqui, a
implantação de florestas energéticas é a Suzano, tradicional empresa do setor
papeleiro, que anunciou vultosos investimentos nos novos negócios, de olho na
Europa. Lá, as geradoras de energia precisam atender às rígidas diretivas que
obrigam a aumentar a renovabilidade da matriz energética. Pellet da madeira
tupiniquim vai limpar o Primeiro Mundo.
Esse movimento da economia de
baixo carbono ajuda a turbinar a silvicultura no Brasil, atividade que já ocupa
6,5 milhões de hectares. Para comparação, os cafezais atingem 2,3 milhões de
hectares plantados. Carregado por má fama no início, pelo fato de derrubar mata
nativa, Cerrado principalmente, para plantar bosques homogêneos, o
reflorestamento valoriza-se na agenda da economia verde.
O eucalipto, particularmente,
está feliz, rompendo a velha sina de estragar o solo. Estudos como os do
professor Barrichelo (Esalq-USP) comprovam que, afora o seu rápido crescimento,
nada diferencia a demanda de água do eucalipto da advinda por outras árvores
frondosas. Manejo florestal moderno protege, não compromete, os recursos
hídricos.
Ambientalistas e ruralistas,
perdidos no cansativo e infrutífero debate sobre o Código Florestal, bem que
poderiam prestar mais atenção às reais oportunidades do mundo sustentável. Um
olhar mais isento permitiria sair da agenda negativa do desmatamento e encarar o
futuro. Nele, longe do preservacionismo puro e do vândalo produtivismo, se
encontram as florestas energéticas
Um patamar superior da produção
no campo.
XICO
GRAZIANO, AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO.
E-MAIL:, XICOGRAZIANO@TERRA.COM.BR
FONTE:
O ESTADO DE SÃO PAULO
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