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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA AJUDOU A INSERIR CIDADANIA NA AGENDA BRASILEIRA, DIZ HISTORIADORA

Capa do jornal A Província de S. Paulo com a notícia da Proclamação da República
Foto: Arquivo/AE

Mesmo tendo sido deflagrada pela insatisfação de uma elite econômica apartada do poder político, a proclamação da República em 1889, comemorada neste dia 15 de novembro, ajudou a intensificar a inclusão da cidadania na agenda pública da sociedade brasileira, afirmou ao eBand a professora do departamento de História da USP (Universidade de São Paulo), Dra. Zilda Iokoi.

“Se os paulistas tivessem conseguido ampliar o sistema de representação política, eles não teriam partido para a República”, declarou, referindo-se aos cafeicultores do Oeste Paulista, região para onde a produção do café, ponta de lança da economia nacional à época, havia se deslocado, vindo do Vale do Paraíba e do sul de Minas Gerais. 

“Eles queriam estar no poder para definir quem pagava imigração, os compromissos do Estado com a cafeicultura e como se faria a interligação ferroviária das propriedades”, disse a especialista, explicando quais eram as demandas da classe emergente.

Aproveitando o momento da Monarquia, “nos estertores de sua agonia”, os republicanos paulistas tinham ao seu lado a antiga elite agrária, os militares, o clero e até camadas da população.

Incompatível com o regime capitalista que necessitava mais de consumidores do que dos caros braços escravos, a escravidão abolida em 1888 pela Princesa Isabel desagradou a antiga elite agrária, que se prostrara contra a monarquia. A eles se somaram os militares, que saídos vitoriosos da Guerra do Paraguai (1864-1870), passaram a reivindicar mais direitos, como a liberdade para se expressar livremente. 

Já a Igreja, antiga aliada, estava insatisfeita com a constante intervenção do Imperador Dom Pedro II em seus assuntos, cujo último desfecho havia sido o veto à encíclica Quanta Cura do Papa Pio IX, que proibia católicos na Maçonaria. A esses grupos se somaram as classes urbanas e os republicanos, que vinham tentando ganhar representatividade desde 1870, com o Manifesto Republicano, e 1873, com a Convenção de Itu, quando políticos e fazendeiros fundaram o Partido Republicano Paulista.

“Bestializado, atônito, surpreso”

“O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava”, descreveu, assim, o jornalista Aristides Lobo os acontecimentos de 15 de novembro em sua coluna no Diário Popular. 

Com um boato de que haviam decretado um mandato de prisão contra Marechal Deodoro da Fonseca, herói das Guerras da Cisplatina e do Paraguai, os militares se insurgiram. A partir daí, o Brasil segue a tradição das contradições, pois, como explica Zilda, “um general monarquista que, por uma contingência e conflitos de rua, vai defender seus coordenados”, acaba assinando o manifesto que proclama a República do Brasil. Não custa lembrar que a independência do País foi proclamada por um português, que só deixou o trono do Império para assumir a Coroa na Metrópole.

A Constituição de 1891 estabelecia autonomia federativa aos Estados, as antigas províncias, e o regime representativo, no qual os eleitores escolhiam seus candidatos por voto aberto e direto. Mas ficavam excluídos do pleito analfabetos, “a maioria da população”, mulheres, soldados e religiosos de ordem monástica. Mesmo com tantas restrições, Zilda explica que, depois do susto inicial, a população passa a se organizar. “Agora, evidentemente, com essa política de que era possível participar, a sociedade passa a criar expectativas de direito”, comenta. 

Com a ampliação do capitalismo promovida pela nova elite econômica, os meios urbanos foram expandidos. “Na cidade a gente vê mais as contradições”, pontua a professora, explicando que a coexistência de diversos grupos, desde ex-escravos, trabalhadores imigrantes de baixa renda, intelectuais que pensavam o país até militares nacionalistas, possibilitaram a “criação de um caldo de cidadania”.

Aparelhamento da máquina pública se intensifica

“Eu penso que no Brasil, a expansão da cidadania se deve exclusivamente às lutas populares, porque as classes dominantes são muito autoreferidas e simplesmente fazem acordos para seus interesses e usam desde então e desde sempre os recursos públicos em benefício próprio”, comentou.

Segundo Zilda, “a corrupção, os desvios e o uso dos recursos públicos pelos empresários começaram um pouco antes, mas se expandiram de maneira efetiva a partir da República”. 

Com a proclamação, “a reles pública virou mesmo a reles privada”. Além de o quadro ser muito difícil de reverter, não foi a única herança deixada pelo 15 de novembro.

 Para a historiadora, ainda temos que criar condições para que “a população possa atuar no poder de maneira mais efetiva e que o poder não se organize apenas no Parlamento, porque tem que se irradiar para o conjunto da sociedade, senão não teremos nem democracia nem cidadania”.


FONTE : EBAND

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