Dono de banca em São Paulo, Guerrinha dedica sua vida à coleção e à negociação de exemplares da revista Playboy
Quando tocava o sinal do recreio, era sempre o mesmo ritual na escola de Quixadá, interior do Ceará. Os meninos se reuniam debaixo da árvore do pátio, um deles subia no ingazeiro com a revista na mão, enquanto os restantes ficavam atentos, vigiando, para evitar o flagrante da professora. Em dois minutos, o dono da revista, Guerrinha, de 11 anos, avisava que o tempo havia esgotado. O garoto descia, entregava a revista e pagava o “aluguel”. E a fila de meninos seguia. Entre galhos e folhas – e completamente perplexos –, os garotos descobriam a nudez feminina em uma Playboy americana.
Naquele ano de 1969, Estênio Guerra, o Guerrinha, teve seu primeiro contato com uma publicação erótica depois que um americano que vivia na cidade lhe propôs a troca: 17 revistas por algumas moedas estrangeiras. Aceitou e começou sua coleção, ainda modesta. O negócio engrenaria de verdade com o lançamento da revista Homem, em 1975, pela Editora Abril, embrião da Playboy brasileira, de 1978. Mais acessíveis e baratas, o campo estava livre para o menino trilhar o caminho que, hoje, lhe rende o título de “rei da Playboy”, ostentando mais de 7 mil exemplares da revista. Tudo à venda em sua banca, situada no número 42 da Rua Ática, no Campo Belo, zona sul de São Paulo.
Aos 17 anos, deixou o Ceará para morar no Rio de Janeiro, onde conciliava a escola e o “aluguel” de revistas com o emprego em um supermercado. A rápida e misteriosa popularidade que ganhou no novo colégio chamou a atenção de uma professora de francês. “Um dia, essa professora veio até mim e disse: ‘Engraçado, Guerrinha, todos os garotos ficam em volta de você. Parece que você tem mel’”, lembra, aos risos, o revisteiro. A aproximação acabou se transformando em namoro. Mas, assim como as revistas ajudaram a viabilizar o romance, também terminaram com ele. “Um dia, ela teve um ataque de ciúme e jogou minhas revistas pela janela. Então, eu decidi ir embora. Quando você tem uma coisa que ama muito, você vai ao extremo”, diz, é claro, se referindo às revistas.
Tal impasse se repetiu quando conheceu sua atual esposa, com quem é casado há 27 anos. Curiosa em saber o que havia no armário trancado da casa em que moravam juntos, pediu a Guerrinha que o abrisse. Espantou-se ao ver as três malas amarrotadas de revistas masculinas. Após dias de pouca conversa, expôs a questão: “Ou eu ou as revistas”. Sem conseguir convencê-la do contrário, ficou com as revistas. Perdeu a mulher, mas apenas por um tempo. “Ela não voltou. Mas aí o amor falou mais alto. Fui até ela, conversei e ela aceitou voltar, mesmo com as revistas”, relembra.
Foi ainda na capital fluminense que o jovem descobriu que as revistas poderiam lhe render mais que alguns trocados. Com frequência, dirigia-se ao Posto 6, em Copacabana, com uma pilha delas e, sentado em um banco, folheava-as “como quem não quisesse nada”. A estratégia deu certo. Impressionado com as raridades do colecionador – entre elas, a edição número 1 da Playboy americana, com nada menos que Marilyn Monroe na capa –, um jornalista chileno arrematou toda sua coleção americana. “Se fosse no dinheiro de hoje, seriam mais de 100 mil reais. Foi com essa venda que eu comprei a casa da minha mãe, lá em Quixadá”, garante.
Em meados dos anos 1980, Guerrinha foi transferido para São Paulo, onde abriu sua primeira banca, a alguns metros do atual endereço, na Rua Joaquim Nabuco. O sucesso foi imediato... E a controvérsia também. “Muitos homens começaram a frequentar a banca e as mulheres começaram a reclamar. Nisso, a prefeitura me pressionou para sair de lá, até que o guincho pegou a banca e levou tudo embora”. Outro problema frequente do antigo ponto era a perseguição ao seu exemplar mais valioso: a edição de dezembro de 1982, o primeiro ensaio nu de Xuxa Meneghel. “Todo fim de semana a banca era quebrada. Os ladrões tentavam roubar a revista, pensavam que estava dentro da banca, mas não estava. Eu levava comigo”.
Zeloso, conta com o know how de mais de quatro décadas no ramo para definir os preços de suas raridades. Beleza não é o critério principal. A equação leva em conta a notoriedade da personagem, a idade e o estado de conservação da revista. “Se, por exemplo, o pôster estiver mal dobrado, já não serve para colecionador”, comenta. Com exceção da capa de Xuxa, sem preço definido – “Tem que ser muito dinheiro”, afirma –, o número mais caro é a capa da atriz Cláudia Ohana, de janeiro de 1985, que sai por R$ 500,00. Na sequência, vem a edição de Mara Maravilha, por R$ 200,00, seguida de atrizes e modelos hoje bem conhecidas do público, mas que posaram em início de carreira: Christiane Torloni, Betty Faria, Monique Evans, Maria Zilda, Lucinha Lins, com valores que oscilam entre R$ 60,00 e R$ 100,00.
Há mais de uma década no atual ponto, recuado no estacionamento de uma grande loja de construções, Guerrinha recebe todo tipo de cliente. De encomendas de colecionadores aos que procuram apenas a última edição. Sai na frente das bancas tradicionais por garantir a recompra do produto. “O cliente compra a revista do mês comigo porque sabe que, daqui uns dias, pode vir me revender. Ele me paga R$ 8,00, R$ 10,00 e depois me vende por R$ 5,00”, explica.
Para o futuro, não deseja grandes mudanças. Quer permanecer ali, com o privilégio de trabalhar rodeado pelas mulheres mais desejadas e menos vestidas do país. Mesmo assim, ainda guarda um pedido final: “Já está escrito que eu vou levar as revistas que eu mais gosto para dentro do caixão: Sílvia Bandeira, Adriane Galisteu, Vera Fischer, Cláudia Ohana e a Juju Salimeni, do Pânico”. Pela obstinação com que cuida de cada uma delas, merece ter o pedido atendido.
Naquele ano de 1969, Estênio Guerra, o Guerrinha, teve seu primeiro contato com uma publicação erótica depois que um americano que vivia na cidade lhe propôs a troca: 17 revistas por algumas moedas estrangeiras. Aceitou e começou sua coleção, ainda modesta. O negócio engrenaria de verdade com o lançamento da revista Homem, em 1975, pela Editora Abril, embrião da Playboy brasileira, de 1978. Mais acessíveis e baratas, o campo estava livre para o menino trilhar o caminho que, hoje, lhe rende o título de “rei da Playboy”, ostentando mais de 7 mil exemplares da revista. Tudo à venda em sua banca, situada no número 42 da Rua Ática, no Campo Belo, zona sul de São Paulo.
Aos 17 anos, deixou o Ceará para morar no Rio de Janeiro, onde conciliava a escola e o “aluguel” de revistas com o emprego em um supermercado. A rápida e misteriosa popularidade que ganhou no novo colégio chamou a atenção de uma professora de francês. “Um dia, essa professora veio até mim e disse: ‘Engraçado, Guerrinha, todos os garotos ficam em volta de você. Parece que você tem mel’”, lembra, aos risos, o revisteiro. A aproximação acabou se transformando em namoro. Mas, assim como as revistas ajudaram a viabilizar o romance, também terminaram com ele. “Um dia, ela teve um ataque de ciúme e jogou minhas revistas pela janela. Então, eu decidi ir embora. Quando você tem uma coisa que ama muito, você vai ao extremo”, diz, é claro, se referindo às revistas.
Tal impasse se repetiu quando conheceu sua atual esposa, com quem é casado há 27 anos. Curiosa em saber o que havia no armário trancado da casa em que moravam juntos, pediu a Guerrinha que o abrisse. Espantou-se ao ver as três malas amarrotadas de revistas masculinas. Após dias de pouca conversa, expôs a questão: “Ou eu ou as revistas”. Sem conseguir convencê-la do contrário, ficou com as revistas. Perdeu a mulher, mas apenas por um tempo. “Ela não voltou. Mas aí o amor falou mais alto. Fui até ela, conversei e ela aceitou voltar, mesmo com as revistas”, relembra.
Crédito:Guilherme Sardas
Foi ainda na capital fluminense que o jovem descobriu que as revistas poderiam lhe render mais que alguns trocados. Com frequência, dirigia-se ao Posto 6, em Copacabana, com uma pilha delas e, sentado em um banco, folheava-as “como quem não quisesse nada”. A estratégia deu certo. Impressionado com as raridades do colecionador – entre elas, a edição número 1 da Playboy americana, com nada menos que Marilyn Monroe na capa –, um jornalista chileno arrematou toda sua coleção americana. “Se fosse no dinheiro de hoje, seriam mais de 100 mil reais. Foi com essa venda que eu comprei a casa da minha mãe, lá em Quixadá”, garante.
Em meados dos anos 1980, Guerrinha foi transferido para São Paulo, onde abriu sua primeira banca, a alguns metros do atual endereço, na Rua Joaquim Nabuco. O sucesso foi imediato... E a controvérsia também. “Muitos homens começaram a frequentar a banca e as mulheres começaram a reclamar. Nisso, a prefeitura me pressionou para sair de lá, até que o guincho pegou a banca e levou tudo embora”. Outro problema frequente do antigo ponto era a perseguição ao seu exemplar mais valioso: a edição de dezembro de 1982, o primeiro ensaio nu de Xuxa Meneghel. “Todo fim de semana a banca era quebrada. Os ladrões tentavam roubar a revista, pensavam que estava dentro da banca, mas não estava. Eu levava comigo”.
Zeloso, conta com o know how de mais de quatro décadas no ramo para definir os preços de suas raridades. Beleza não é o critério principal. A equação leva em conta a notoriedade da personagem, a idade e o estado de conservação da revista. “Se, por exemplo, o pôster estiver mal dobrado, já não serve para colecionador”, comenta. Com exceção da capa de Xuxa, sem preço definido – “Tem que ser muito dinheiro”, afirma –, o número mais caro é a capa da atriz Cláudia Ohana, de janeiro de 1985, que sai por R$ 500,00. Na sequência, vem a edição de Mara Maravilha, por R$ 200,00, seguida de atrizes e modelos hoje bem conhecidas do público, mas que posaram em início de carreira: Christiane Torloni, Betty Faria, Monique Evans, Maria Zilda, Lucinha Lins, com valores que oscilam entre R$ 60,00 e R$ 100,00.
Há mais de uma década no atual ponto, recuado no estacionamento de uma grande loja de construções, Guerrinha recebe todo tipo de cliente. De encomendas de colecionadores aos que procuram apenas a última edição. Sai na frente das bancas tradicionais por garantir a recompra do produto. “O cliente compra a revista do mês comigo porque sabe que, daqui uns dias, pode vir me revender. Ele me paga R$ 8,00, R$ 10,00 e depois me vende por R$ 5,00”, explica.
Para o futuro, não deseja grandes mudanças. Quer permanecer ali, com o privilégio de trabalhar rodeado pelas mulheres mais desejadas e menos vestidas do país. Mesmo assim, ainda guarda um pedido final: “Já está escrito que eu vou levar as revistas que eu mais gosto para dentro do caixão: Sílvia Bandeira, Adriane Galisteu, Vera Fischer, Cláudia Ohana e a Juju Salimeni, do Pânico”. Pela obstinação com que cuida de cada uma delas, merece ter o pedido atendido.
FONTE:
PORTAL IMPRENSA
Nenhum comentário:
Postar um comentário