Apesar
da violência e de toda espécie da maldade que envolve o mundo, gerando um
ambiente de insegurança e medo, quero viver por muito tempo, porque encontro o
abrigo, a defesa e o incentivo no amor que ainda existe no coração das pessoas
que nos cercam.
Quero viver para sentir a beleza da natureza e a carícia suave
do vento. Apreciar o romper da aurora, o nascer de nova luz, mostrando outros
caminhos, renascendo esperanças para prosseguir na luta. Não devo morrer ao
sentir o sopro do vento morno do desengano, trazendo a fúria dos que agridem,
assaltam e matam, tingindo o mundo com o negrume da crueldade.
Quero viver para sentir a grandeza das almas humildes, dos que
renunciam em benefício da felicidade dos outros, dos que acreditam na força da
doação. Não devo morrer porque a prepotência supera o direito, a falsidade
impera, fomentando a guerra fratricida.
Quero viver para beber a água cristalina, descida do céu, que
corre pelos riachos, que se enroscam, como cobras pelas veredas do sertão. Não
devo morrer porque as águas são poluídas pelo progresso, que nos tira o ar, a
tranqüilidade e a própria vida.
Quero viver para abraçar os que me amam, beijar os que me querem
e me apoiar no ombro amigo dos que me acolhem em seus corações. Não devo morrer
porque encontro o ódio, o desdém e me negam um bastão amigo, onde possa apoiar
a minha fraqueza.
Quero viver para experimentar o calor da sincera amizade, a
energia do abraço afetuoso, o sorriso e o apoio dos que se alegram com as
minhas vitórias. Não devo morrer porque os delatores nos traem quando nos
beijam e os facínoras nos apunhalam quando nos abraçam.
Quero viver pela fantasia das noites claras, vendo o galopar das
nuvens e o namoro das estrelas. Não devo morrer porque a escuridão acoberta,
com o seu manto negro, o fantasma da violência e do crime.
Quero viver para acariciar a criança feliz, brincar com a sua
inocência e aprender a gostar das coisas simples. Construir castelos de areia e
acreditar que tudo é verdade. Não devo morrer porque vejo crianças infelizes,
mergulhadas na podridão das drogas e do crime, sem lar, sem rumo e sem destino.
Quero viver para dormir o sono tranquilo, pastorado pela paz das
boas ações. Sem temer a violência, na serenidade da proteção de Deus. Não devo
morrer quando não consigo conciliar o sono porque o remorso cobra alto preço
pelo bem que deixei de fazer.
Quero viver para repassar a infância, procurar minhas pegadas
por antigos caminhos e não deixar desaparecer aquele menino de alma pura, que
mora no âmago de meu coração. Não devo morrer porque não sou mais o menino
ingênuo, despreocupado e feliz.
Quero viver para penetrar no sertão, repousar à sombra da
oiticica, ser acolhido pela simplicidade da casa de taipa e me sentar à mesa
farta de amor do bravo homem do campo. Não devo morrer porque mutilaram o
sertão, expulsaram seus moradores, enganaram a sua boa fé e os amarraram, a fim
de chicoteá-los até a morte.
Quero viver para apreciar o vigor, a alegria e a esperança da
juventude que sonha e merece um mundo de paz, tranqüilidade e amor. Juventude
que deve ter liberdade, consciência de seu valor e fé no futuro risonho que a
espera. Não devo morrer, mesmo sabendo que minha juventude já é passada e a
velhice é um futuro que se aproxima.
Quero viver, e viver muito, porque tenho muita fé no amor que
possuo, ele me faz forte, sempre alegre e jovem. No dia em que esta carcaça
envelhecer e tropeçar em insignificantes obstáculos, dentro de mim, haverá um jovem
robusto e sorridente que acolherá o velhinho com afeto, deitando-o no berço
macio do amor, mostrando que viver, afinal, vale a pena.
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